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by The Fake News of Jornal Tuga. . 102 reads.

Revista Orpheu #11 - A pobreza de espírito (e algo mais)



Nota do Editor, Alentejo and Algarve
De pequeno passatempo de férias de verão à vanguarda da informação e criação cultural na região, o progresso da nossa querida Orpheu foi sem dúvida estonteante. No passado, algumas edições, embora educacionais, ficaram aquém das espectativas - uma equipa pequena (por vezes de um homem só) dificilmente consegue ultrapassar barreiras tão elevadas. Mas o futuro brilha raios resplandecentes de esperança para esta revista. Desde já, para garantir a satisfação de cada leitor, cada edição terá de obedecer a este modelo: 1 história, 1 análise da atualidade, 1 artigo cultural. Estes serão os requisitos indispensáveis para a publicação, tudo a mais é complemento e iremos cobrar extra!


Pobreza de Espírito - O lado negro dos ícones

Toda a alma tem uma face negra, nem eu nem tu fugimos à regra.

Já nos dizia isto Rui Veloso nos anos 90 e durante tempos tão conturbados em que reavaliamos, aos olhos de uma sociedade contemporânea, os nossos modelos de “herói”, o eufemismo ganha uma nova dimensão. Compilámos assim uma lista de figuras públicas, glorificadas quer pelas suas ações ou conteúdo artístico, que encheram as almas e corações de milhões, mas com um tamanho e tantas vezes desconhecido ou ignorado lado negro; comecemos:

Madre Teresa de Calcutá

Freira, missionária, santa, a história da albanesa que viajou para uma das regiões mais carenciadas do mundo de forma a ajudar os mais pobres tornou-se quase lendária. E com o escalar das tragédias humanitárias e o aumento das disparidades, parece que, mais que nunca, precisamos de uma Madre Teresa de Calcutá, uma salvadora divina que nos resgate da pobreza material e espiritual… Isto assumindo que as duas partes interessam igualmente.

Em anos recentes, a imagem de Teresa transformou-se. A outrora caridosa abnegada passou, em muitos círculos, para uma fanática religiosa e dogmática que se interessava menos por ajudar os pobres e mais em convertê-los. A título de exemplo, Teresa ensinara as freiras a batizar os moribundos, contra a sua vontade, fingindo pôr uma toalha molhada na sua cabeça enquanto eram recitadas as palavras necessárias para a conversão. As condições miseráveis nas instalações das Missionárias, apesar do financiamento milionário de ditadores de países de terceiro mundo e milionários corruptos, para além de um sistema de tratamento de doenças que privilegiava a reza à busca de uma cura, já para não falar dos pontos de vista retrógrados em assuntos como o uso de métodos contracetivos, o aborto e a homossexualidade, deixam muitos a questionar as verdadeiras intenções da freira durante as suas missões.


https://www.independent.co.uk/voices/mother-teresa-wasnt-a-saintly-person-she-was-a-shrewd-operator-with-unpalatable-views-who-knew-how-a7224846.html
https://www.washingtonpost.com/news/worldviews/wp/2015/02/25/why-to-many-critics-mother-teresa-is-still-no-saint/
https://en.wikipedia.org/wiki/Mother_Teresa
Maasburg, L. (2011). Mother Teresa of Calcutta: A Personal Portrait. Ignatius Press

Mohandas Gandhi

O epíteto “Mahatma”, originalmente do sânscrito, significa “venerável” e é geralmente concedido a alguém de grande sapiência espiritual. Mas um simples cognome não consegue fazer justiça à personalidade que foi Mohandas Gandhi, o pai da Índia moderna cujas estratégias de combate ao colonialismo através da não-violência inspiraram ativistas de todo o mundo. Mas o revolucionário não passava de um humano.

As alegações contra Gandhi são conhecidas e provadas, sendo até abordadas nas suas biografias. Desde já, os seus anos juvenis na África do Sul, uma sociedade quase tão estratificada como o seu país natal, demonstram uma face menos igualitária do futuro ávido promotor da união entre religiões. O Apartheid descriminava entre brancos e as restantes raças, colocando índios e negros no mesmo patamar. De facto, Ghandi lutou pelos direitos dos seus, em detrimento da maioria africana a qual, julgava ele, deveria permanecer segregada.

Celibato durante grande parte da sua vida, o Mahatma cria que apenas através da tentação conseguiria verdadeiramente atingir um estado de autocontrolo. Assim após a morte da sua mulher, Gandhi começou a dormir com mulheres nuas, como as suas sobrinhas-netas adolescentes com menos 60 anos que ele, de forma a conseguir controlar o seu desejo. Note-se “dormir” no sentido literal.


https://www.bbc.com/news/world-asia-india-34265882 (consultado a 30 de julho de 2020)
https://www.npr.org/2019/10/02/766083651/gandhi-is-deeply-revered-but-his-attitudes-on-race-and-sex-are-under-scrutiny
https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/oct/01/gandhi-celibacy-test-naked-women
https://en.wikipedia.org/wiki/Mahatma_Gandhi

John Lennon

Indiscutivelmente o membro mais famoso dos Beatles, as contribuições de John Lennon ao mundo não só da música continuam até aos dias de hoje a deixar uma marca significativa. Desde o surrealismo experimental em “A Day in the Life” e “Lucy in the Sky with Diamonds” ao seu manifesto de fraternidade em “Imagine”, já para não falar do seu ativismo antiguerra que lhe valeu várias tentativas de deportação, há um pouco de tudo nesta estrela rock. E como em todas as vedetas dos anos 70, há sempre algo atrás da fachada.

Produto de um casamento complicado, Lennon era propício a episódios violentos. Cynthia Lennon, a primeira mulher do artista, vivia aterrorizada de John, alguém “cruel que a afastava das coisas que ela gostava”, como o próprio se descreveu em “LinkGetting Better”. Após o divórcio e subsequente casamento com Yoko Ono, Lennon afastou-se também do seu primeiro filho, Julian, negligenciando-o nos seus anos de crescimento. E, embora na década de 70 tenha havido alguma aproximação entre os dois, quando o cantor foi assassinado em 1980 descobriu-se que este quase nada deixara ao seu primogénito em testamento. O contraste, melhor descrito como hipocrisia, entre a cara do movimento hippie promotor da “paz e amor” e do pai abusivo e ausente é avassalador.

Side note: Aquando da separação do casal Lennon, Paul McCartney foi visitar Cynthia e o filho Julian à província. No caminho, o membro dos Beatles começou a pensar em formas de consolar a criança e nas palavras de confiança que lhe queria transmitir. “Hey Jules” transformou-se em "LinkHey Jude”, talvez a mais bem-sucedida música da banda.

O seu apoio ao Exército Republicano Irlandês, tendo proposto a organização de concertos de angariação de fundos para o movimento, o pagamento dos custos legais a terroristas ligados às Panteras Negras e o seu estilo de vida ostentoso em clara contradição à sua mensagem de “um mundo sem posses”, entre outras atitudes questionáveis apenas servem para demonstrar a dimensão da farsa em que certas personalidades vivem.


https://en.wikipedia.org/wiki/John_Lennon
https://www.theguardian.com/uk/2006/dec/10/northernireland.musicnews
https://www.mirror.co.uk/3am/celebrity-news/john-lennons-dark-side-domestic-6481985
https://www.voanews.com/archive/new-memoir-reveals-john-lennon-had-dark-side
https://edgardaily.com/articles/john-lennon-dark-side/

Winston Churchill

É complicado, mais de 80 anos depois, compreender o quão perto a Europa esteve do controlo germânico total. O continente aproximava-se, a reboque de um Panzer, do abismo do fascismo e nada nem ninguém parecia querer (ou conseguir) parar o Blitz do tanque… Eis o recém-chegado primeiro-ministro britânico. Recordado negativamente pela campanha falhada em Galipoli duas décadas antes, ficaria no fim de 1945 conhecido pelo Bulldog Inglês, o cão de guarda da democracia que jamais se rendeu, e, fazendo frente aos invasores da sua pátria liberdade, derrotou a maior ameaça que o mundo vira até então. Ah, nem os melhores estadistas estão ilesos…

Ávido escritor (até recebeu um Nobel da Literatura) para além de tópico favorito de biógrafos, a vida de Winston foi documentada de todos os ângulos imagináveis e, apesar dos seus esforços na vitória Aliada contra a ideologia do ódio, o fantasma do racismo parece uma constante nas ideias deste cavalheiro vitoriano. Crente na tese do darwinismo social, Churchill considera o anglo-saxónico branco protestante intrinsecamente superior às outras raças, usando esta asserção para justificar comportamentos colonialistas e táticas racistas – a título de exemplo, os campos de tortura no Quénia com o propósito de mitigar os esforços de independentistas nativos, denominados pelo Primeiro-Ministro de “crianças brutas”; ou as suas promessas de criar um estado para os judeus na Palestina, contra os interesses dos residentes aos quais chamou “hordas bárbaras que não comem nada senão fezes de camelo”.

De facto, Churchill assemelha-se ao estereotípico inglês imperialista que não cederá um pedaço de terra a “bárbaros estrangeiros”. Começando em 1919 com o uso de armas químicas e de ataques aéreos contra tribos revoltosas no Médio Oriente, passando pelo destacamento dos infames “Black and Tans” na Irlanda, uma força com propensão para a violência e terminando nos seus comentários em relação a Ghandi “um homem mau e um inimigo do Império, do qual nos livraríamos se morresse” referindo-se ao seu período de greve de fome... A verdadeira inspiração de muitos mundos alternativos distópicos.


https://www.bbc.com/news/magazine-29701767
https://www.independent.co.uk/news/uk/politics/not-his-finest-hour-the-dark-side-of-winston-churchill-2118317.html
https://thehill.com/opinion/civil-rights/502684-winston-churchill-was-many-things-but-racist-was-not-one-of-them

Visto isto, devemos deixar de rever estes ícones, destruir as suas estátuas, tornar o seu nome tabu? Há que ter em conta, que todas estas pessoas nasceram num tempo e num espaço que não é o nosso, foram educados assuntos e dogmas hoje repudiados, mas aparentemente corretos para altura. Todos os indivíduos têm esqueletos no armário se vasculharmos com olhares prospetivos, mas isso não retira mérito às suas ações corajosas, valorosas, ou às suas obras. Esperar dos heróis uma moralidade acima de Deus é ingénuo, e retira a humanidade a quem nos queremos rever. Este artigo não tem como pretensão demolir a perceção que temos dos mencionados, mas sim apresentar a uma nova luz um lado menos conhecido, reconhecendo que são pessoas com sonhos, ambições mas também falhas, tal como nós. E aliás, se um modelo não fosse humano o que nos incentivaria a tentar ser como ele?


Bons ventos de leste

Num ano marcado já pela emancipação dos povos, somos mais uma vez confrontados com relatos de protestos e distúrbios, gritos desesperados pela liberdade e esperança, num dos últimos vestígios de um tempo que parece tão distante.

Interposta entre a espada russa e a parede ocidental, a Bielorrússia nunca escapou verdadeiramente da influência do urso a seu leste. As primeiras eleições livres do país, em 94, afirmaram verdadeiramente a derrota do comunismo com a eleição de um candidato populista e sem um programa definido - Aleksandr Lukashenko - que, dalguma forma, guiaria a nação bielorrussa para um novo século de paz e harmonia. O recém-eleito logo mostrou as suas verdadeiras cores, no entanto, ao alterar a constituição, reforçando a sua posição em detrimento da frágil democracia. A promiscuidade com a Rússia de Putin, talvez dos poucos aliados europeus do gigante, com a pequena Ruténia Branca sempre numa posição subalterna de dependência à Madre Pátria, selou o destino de um povo que nunca tivera um estado próprio. E sufrágio após sufrágio, uma, duas, três, quatro, cinco vezes, cada uma mais duvidosa que a anterior, Lukashenko via a oposição purgada, os direitos limitados e o seu lugar consolidado. Mas 26 anos depois…

Após uma reação abismal à pandemia, uma economia em cacos e a crescente ingerência oriental, Lukashenko precisava de tudo para vencer as seguintes eleições. Os principais líderes da oposição foram presos antes das urnas, na esperança de limitar a liberdade de escolha dos cidadãos, mas uma candidata improvável surgiu das cinzas do movimento democrático. Svetlana Tikhanovskaya, uma professora de Inglês sem qualquer experiência política apresentou a candidatura à presidência após o encarceramento do seu marido, um crítico voraz do regime. Acreditando não se tratar duma ameaça, esta foi aprovada, na tentativa de manter alguma credibilidade democrática. Mas contra todas as probabilidades, Svetlana conseguiu unir a oposição, recebendo o apoio de centenas de milhares. Com promessas de redistribuir o dinheiro das elites corruptas pelos mais desfavorecidos e organizar eleições livres se vencesse era esta a lufada de ar fresco que o país precisava, a candidatura jovem que derrotaria a caquética ditadura, e de facto assim parecia. Numa Linksondagem da Rádio Europa Livre à boca das urnas, Tsikhanouskaya surgia com uns estonteantes 82% das intenções de voto!

9 de Agosto e os resultados era expectáveis. Lukashenko é reeleito, derrotando (aparentemente) de forma esmagadora qualquer oposição. Os velhos oligarcas congratulam-se, mas a fraude eleitoral é mais que óbvia para uma população farta. Nessa noite, dezenas de milhares saem à rua em Minsk e em toda a Bielorrússia. O medo que os coibia de mostrar desdém dissipou-se num oceano de mentiras e estagnação. Das varandas grita-se para a polícia encapuzada e sem distintivo “Vão-se embora! Viva a Bielorrússia! Libertem os prisioneiros!”, pedidos recebidos com balas de borracha, gás lacrimogénio e granadas. 3000 são presos só na primeira noite, mas os números de protestantes continuam a aumentar. Numa semana seriam mais de 200 mil, entre grevistas, mães de jovens detidos e até jornalistas da televisão estatal, o movimento varreu a nação. Tikhanovskaya, temendo o mesmo destino que os seus antecessores exilou-se na Lituânia onde continua a coordenar os esforços da oposição, apelando às forças de segurança que mudem de lado viabilizando uma transição suave do poder, pedidos estes recusados pela administração de Lukashenko que se esforça, infrutiferamente, por apagar o fogo da liberdade que já consome toda a Bielorrússia.

Para mais contexto sobre a estadia de Lukashenko no poder, recomendamos o artigo da Orpheu #2 "Alexander Lukashenko- O último ditador europeu"

Webgrafia:
https://www.atlanticcouncil.org/blogs/ukrainealert/europes-last-dictator-the-rise-and-possible-fall-of-alexander-lukashenko/
https://www.vox.com/2020/8/10/21357805/belarus-election-tikhanovskaya-lukashenko-protest-minsk
https://www.bustle.com/rule-breakers/belarus-protests-news
https://www.bbc.com/news/world-europe-53799065
https://www.bbc.com/news/world-europe-53762995
https://www.aljazeera.com/news/2020/09/thousands-women-belarus-protest-lukashenko-200905164356297.html
https://en.wikipedia.org/wiki/2020_Belarusian_presidential_election
https://en.wikipedia.org/wiki/2020_Belarusian_protests


O Flagelo da Pobreza - O artigo e o relatório: um conto de amor-ódio
por Herya

Chegou-me à atenção, devido a um Linkartigo que li de Alexandre Abreu, que a luta contra a pobreza extrema não está a decorrer do modo que eu, e muitos outros talvez, pensava.

Segundo Philip Alston, o Relator Especial para a Pobreza Extrema e Direitos Humanos escolhido pela ONU, os indicadores que costumamos usar estão todos errados e somos todos uma bela bosta no que toca a combater a pobreza.
(está nas entrelinhas)

Então, decidi que devia partilhar convosco o que diz este relatório por ele escrito assim como breves opiniões minhas sobre o mesmo, assim como sobre o artigo de Alexandre Abreu. (leiam o relatório se puderem, tem apenas 19 páginas, 17 com conteúdo)

O ARTIGO

Digo desde já que sou fã de todos os artigos que este caro senhor escreve para o Expresso. E, com este de que vos falo, não se passou nada diferente.

No artigo, Alexandre Abreu expõe as duas grandes críticas do estudo à nossa conceção do combate à pobreza extrema (das quais irei falar a seguir em mais detalhe): a pobreza extrema não se alterou em número substancial e que estamos a fazer tudo mal no que toca aos objetivos que nos propomos a alcançar.

Também menciona, à luz das considerações do relatório sobre os meios pelos quais devemos erradicar a pobreza, que a ONU esqueceu ao longo destas décadas, muito por culpa do liberalismo extremo (ao que muitos chamam de neo-liberalismo), que os direitos sociais e económicos do indivíduo são tão essenciais para uma vida boa como os direitos políticos e civis, que têm ganho muito mais destaque ultimamente.

Pessoalmente, acho que o liberalismo económico deixou uma nuvem negra que realmente eclipsou os direitos económicos de muita gente, mas também é verdade que nos últimos tempos, desde a crise de 2008 e com esta nova calamidade, a sociedade parece mais ciente de que a pobreza é avassaladora na mesma e que é um cancro que precisa de ser retirado, mas que foi negligenciado até agora e então teve bastante tempo para se desenvolver. Veja-se Portugal!

É claro que tem havido esforço para erradicar a pobreza neste país, mas também é claro que os ganhos vão muito agarrados ao crescimento económico, tal como a "redução" da dívida, o que me leva crer que, embora real, o nosso método não tem sido eficaz, de todo.

Por fim, é importante também não esquecer de que esta nova consciência surge principalmente nas sociedades mais ricas, nas democracias liberais, e era isso que nos faltava para podermos globalmente ter a empatia necessária para realmente tratar deste problema global.

O RELATÓRIO

Bem, vou tratar de responder a ambas as grandes críticas abrangentes do modo que foram discritas pelo artigo anterior.

CRÍTICA 1: A pobreza extrema não está realmente a ser erradicada!

O autor explica que a pobreza extrema está a ser mal medida e que o valor fixo da linha da pobreza extrema, embora um grande auxílio a fazer as pessoas entenderem a enormidade do problema, não permite uma análise boa o suficiente para todas as situações.

    "The current line of US$1.90 2011 PPP per day represents what that amount could buy in the United States in 2011. Expressed in local currencies for the most recent years available, the line translates to living on 7.49 yuan per day in China, 1.41 euros in Portugal (...) The IPL (International Poverty Line) is of course well below the national poverty lines of most countries, and accordingly generates dramatically lower numbers in poverty. For example, using the most recent comparisons available, Thailand has a poverty rate of 0.0 percent under the IPL but 9.9 percent under the national line, the United States, 1.2 percent versus 12.7 percent, South Africa, 18.9 percent versus 55 percent(!!!), and Mexico,1.7 percent versus 41.9 percent(!!!!)."

Uma grande crítica a este modo de medir pobreza é que 1.9 dólares por dia é uma quantia absolutamente incapaz de gerar uma vida com qualidade decente, quanto mais humana, revelando de algum modo uma grande hipocrisia se tivermos em conta a Carta dos Direitos Humanos ("This standard is a world apart from the one set by human rights law and embodied in the UN Charter").

Seguidamente, o autor apresenta várias outras propostas de linhas de pobreza, como uma baseada na mortalidade infantil e outra na esperança média de vida, com valores 4.2 e 3 vezes superior à IPL, respetivamente. Continua depois a explicar as razões pela qual a linha atual não se pode aplicar facilmente à grande maioria dos países e que tentar tal coisa seria apenas uma grande tentativa global de negação.


Há também o problema que se põe relativamente a grupos mais desfavorecidos no mundo inteiro, mas em especial e de forma bastante preocupante nos países mais pobres. De entre estes grupos estão as mulheres, sem-abrigo, refugiados, nómadas...etc.

No que toca às mulheres, é claro que da China à África, e em muitos outros sítios, a distribuição da riqueza e recursos no aglomerado familiar é desproporcional, o que leva a que as milhões de mulheres que vivem em aglomerados apenas alguns cêntimos acima da IPL estejam, possivelmente, abaixo da linha e obscurecidas pela incapacidade desta de as representar; algo que o World Bank já detetou, estando a tentar encontrar um método inovador de resolver o problema. Quanto a outros grupos marginais, é simplesmente impossível incluí-los nos dados, seja de forma representativa ou de todo. Isto leva a que estes casos de pobreza sejam esquecidos, pelo menos nos dados, senão pelo resto do mundo.


Por fim, há o problema da China. O autor explica-o da seguinte forma:

    "Much of the progress reflected under the Bank’s line is due not to any global trend but to exceptional developments in China, where the number of people below the IPL dropped from more than 750 million to 10 million between 1990 and 2015, accounting for a large proportion of the billion people ‘lifted’ out of poverty during that period. This is even starker under higher poverty lines. Without China, the global headcount under a $2.50 line barely changed between 1990 and 2010. And without East Asia and the Pacific, it would have increased from 2.02 billion to 2.68 billion between 1990 and 2015 under a $5.50 line."

Fica então claro que podemos esquecer uma grande tendência a nível global e que muito se deve ao "trabalho esforçado" da China. Quanto a isso, eu tenho de apontar que a China prefaz mais de 1/7 da população mundial e que descontar os seus contributos é, a meu ver errado, mas, por outro lado, se é verdade que muita da queda dos números se deve à China, então não há razão para tanta celebração como tem havido nos últimos anos.
Depois da liberalização da economia chinesa, é verdade que a qualidade de vida da sua população em geral aumentou, mas também é verdade que o governo chinês, como sempre, desvia a conversa e Linkdá um toque seu aos números. Logo o cenário fica cada vez pior.




CRÍTICA 2: Estamos a fazer tudo mal!

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ou Sustainable Development Goals (SDG's), adotados em 2015 têm sido um passo importante na luta contra a pobreza, mas, 5 anos depois, é altura de admitir que não tínhamos capacidade para alcançar estes objetivos tão ambiciosos, da maneira que foi proposta. Estes objetivos, muito ligados a medições incorretas da pobreza, são insuficientes para levantar milhares de milhões - sim! milhares de milhões - de vidas com deficiência a nível de dignidade e qualidade.

Os ODS são insuficientes desde a sua criação. Por exemplo, a nível da desigualdade social, os ODS têm o crescimento económico da metade mais pobre como a maneira de diminuir esta desigualdade, completamente alheios ao facto de que os percentis mais ricos do mundo têm crescido em riqueza de uma forma impressionante, de modo a que o crescimento económico das classes baixas atual é insuficiente para responder à crescente desigualdade social que é observada. tal como são insuficientes para resolver alguns problemas sociais, esquecem completamente outros, de que é exemplo a discriminação, apesar de mencionarem direitos humanos 20 vezes!

Quanto às alterações cilmáticas, é óbvio que os governos em todo o mundo têm falhado em agir de forma séria e eficaz, o que irá agravar o problema dos previstos 100 milhões de futuros refugiados climáticos, assim como causará danos à infraestrutura e economia globais, remetendo-nos a um futuro ainda mais pobre. Ora, os ODS esquecem as considerações climáticas quando apelam ao crescimento económico.

O sucesso dos ODS depende de financiamento contínuo. Porém, este tem sido deficiente, e com a crise da COVID-19 e a falta de solidariedade internacional, é previsível que o financiamento para alcançar os objetivos a que os países signatários se propuseram irão decrescer sucessivamente. Como tal, uma resposta dos vários países tem sido o uso de financiamento privado, o qual não é nem deve ser a solução principal para as nossas necessidades.

    "The central strategy is “to use public funds more sparingly [and] ensure a better mobilization of private capital.” But there are many problems with this approach. First, it begs the crucial question as to whether privatization in its various forms is capable of achieving many of the SDGs, especially for the most vulnerable whose inclusion may not be profitable. There are powerful reasons to doubt this. Second, it recasts the overall SDG enterprise as one focused largely on the building of infrastructure and prioritizes an enabling business environment over empowering people. Third, the role of governments is downplayed, often relegated to insuring private investments. Fourth, all too little is done to promote domestic revenue mobilization, leaving in place destructive fiscal policies, systematic tax avoidance strategies, and illicit outflows that entrench poverty and inequality. Fifth, the commitment to “a revitalized Global Partnership,” promoting “solidarity with the poorest and with people in vulnerable situations,” is lost in the fog of an overriding focus on Public-Private Partnerships with troubling track records."

Um grande problema dos ODS, é que a sua linguagem, tal como os acordos de Paris, é apenas voluntária e não há muito que se possa fazer para tentar escrutinar a ação dos múltiplos governos, sobretudo em países mais pobres, onde o direito ao voto é frequentemente inexistente. Também o desenvolvimento tecnológico futuro foi esquecido e urge repensar modos de equilibrar a segurança e privacidade pessoais com o desenvolvimento nacional.

Segundo o autor, os ODS não deviam ser esquecidos, mas sim alterados de forma a melhor responder aos desafios da realidade atual, a qual é muito diferente à de 2015: "The SDGs should not be abandoned but nor should the status quo be set in stone. The pressing challenge is to reflect on ways in which the overall package, including targets and indicators, can be re-shaped and supplemented in order to achieve the key goals which otherwise look destined to fail. Business as usual should not be an option."

CONCLUSÃO

Para concluir, o autor enumera várias maneiras de alterarmos o modo como combatemos este problema hercúleo, as quais não irei nomear para obrigar o leitor a ir Linkler a porra do relatório.

Não obstante, é necessário que a ONU pare de se esconder atrás da IPL; que os governos tomem ação e estejam motivados a cumprir os ODS; que não se dependa demasiado no setor privado, o qual tem incentivos apenas para lucrar, como é de sua natureza (são negócios que existem para fazer dinheiro, duh), e não para ajudar a alcançar um mundo mais rico; e, por fim, que se entenda de uma vez por todas que a pobreza é uma violação dos direitos humanos e só quando tal acontecer é que a comunidade internacional estará no bom caminho para acabar com esta:

    "Poverty is a political choice and will be with us until its elimination is reconceived as a matter of social justice. Only when (..) an adequate standard of living replaces the World Bank’s miserable subsistence line will the international community be on track to eliminate extreme poverty."

Com uma nova crise à espreita, não podemos senão temer por um agravamento quase certo do número de pessoas a viver em pobreza extrema e até relativa. Está na hora da humanidade perceber que, embora uma maior consciência sobre os problemas ligados à pobreza seja algo bom, não é suficiente e ação real é urgente!

Não é uma realidade existente apenas nos países pobres, é algo asqueroso e verdadeiramente global, afeta-nos a todos, de um modo ou de outro:

    "Between 1984 and 2014, poverty rose in countries such as Australia, Ireland, New Zealand, and the United Kingdom. One in seven children in OECD countries live in income poverty, and child poverty rates increased in almost two-thirds of those countries in recent years. While people speak of a “growing middle class,” most of that group lives a highly precarious existence, below the $10-a-day line associated with permanent escape from poverty."

Continuo a ser um crente de que o capitalismo enquanto sistema económico tem a capacidade de levantar milhões e milhões da pobreza, mas depois de vários anos de más notícias e com este relatório, deixei de acreditar e morreu a ínfima esperança que tinha de que alguém estava a tentar seriamente usar dessa capacidade. Estávamos e estamos a ser continuamente enganados, um pouco também porque nos deixamos e queremos ser enganados. Espero que todos se apercebam disso.

Em suma, estamos lixados.


FONTES:
LinkArtigo de Alexandre Abreu
LinkRelatório de Philip Alston
LinkChina's Poverty Lie | China Uncensored


20
poema da autoria de Herya

Já não tarda ouvir o escape
dos carros lá fora a andar,
irrequietos, fartos de estarem fechados.
O carro pede para ser guiado
(a vida para ser vivida)
na estrada, no mundo
mais limpo porque deixámos de guiar,
uns tempos, breves momentos.

Não sei porque causa tanto espanto
a fome, a miséria que se vive.
Já cá se viu a pobreza
bater à porta, fazer-se convidada.

Não sei quem ainda esperava mais.
Eu sei que por mais anseio,
mas por isso não esperava.
Sei bem quem nos reina.

E o pobre que morreu à fome?
E o retornado que nunca deixaram bem voltar?
E o português que trabalha, apertado,
e que é deixado, é abandonado
por quem o devia cuidar.

E porque não cuidámos antes
dos nossos avós; só ganham valor depois de mortos?
São como um quadro de um pintor?
Duvido que tenham na nossa imaginação
sequer merecido uma imagem emoldurada.

E o barão? Porque não ouço dele falar?
É porque não morre; cala-se;
passa despercebido; faz de morto
como uma gorda ratazana.

Sabem-se bem governar mas não chega,
não lhes chega, e por isso agarram
na nossa vida também.
Fazem-nos a todos reféns.

Porém, tudo continua a espantar
neste admirável mundo parvo.
Neste nosso Portugal!


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Edited:

RawReport